quarta-feira, 13 de maio de 2009

SOBRE ARTE E LITERATURA - Fernando Pessoa


AMBIENTE (1927), Álvaro de Campos
"Nenhuma época transmite a outra a sua sensibilidade, transmite-lhe apenas a inteligência que teve dessa sensibilidade: pela emoção somos nós; pela inteligência somos alheios. A inteligência dispersa-nos; por isso é através do que nos dispersa que nos sobrevivemos. Cada época entrega às seguintes apenas aquilo que não foi.
Um deus, no sentido pagão, isto é, verdadeiro, não é mais que a inteligência, que tem de si próprio, é a forma impessoal, e por isso ideal, do que é. Formando de nós um conceito intelectual, formamos um deus de nós próprios. Raros, porém, formam de si próprios um conceito intelectual, porque a inteligência é essencialmente objetiva. Mesmo entre os grande gênios são raros os que existiram para si próprios com plena objetividade.
Viver é pertencer a outrem. Morrer é pertencer a outrem. Viver e morrer são a mesma coisa. Mas viver é pertencer a outrem de fora, e morrer é pretencer a outrem de dentro. As duas coisas assemelham-se, mas a vida é o lado de fora da morte. Por isso a vida é a vida e a morte a morte, pois o lado de fora é sempre mais verdadeiro do que o lado de dentro, tanto que é o lado de fora que se vê.
Toda emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se sente.
Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser."



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